História da Industrialização do Brasil: origem e fases
A industrialização do Brasil foi um processo tardio e desigual, marcado pela forte intervenção do Estado e pela dependência de capitais e tecnologias estrangeiras.
![]() Fábrica brasileira do final do século XX.
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Introdução
A industrialização representa um dos processos mais importantes na construção das economias modernas, estando diretamente associada ao avanço tecnológico, à urbanização e à transformação das relações de trabalho e produção. No caso brasileiro, a industrialização seguiu um caminho distinto daquele percorrido pelas nações pioneiras da Revolução Industrial, como Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos. A trajetória da industrialização no Brasil foi marcada por atrasos, dependências externas e profundas desigualdades regionais, configurando um processo complexo que atravessou diferentes conjunturas políticas e econômicas.
Desde o período colonial até o século XX, o Brasil manteve-se predominantemente como um exportador de produtos primários, especialmente agrícolas e minerais, sendo fortemente inserido no sistema econômico mundial como fornecedor de matérias-primas. As mudanças significativas no perfil produtivo do país começaram a se intensificar apenas a partir da segunda metade do século XIX, com o surgimento das primeiras fábricas, embora ainda de maneira tímida e restrita a certos centros urbanos. A consolidação do processo industrial brasileiro, contudo, somente ocorreria no século XX, sob a influência de políticas estatais e conjunturas externas favoráveis, como crises internacionais e guerras mundiais.
Por que o Brasil demorou para se industrializar?
O atraso na industrialização brasileira pode ser explicado por um conjunto de fatores históricos, estruturais e conjunturais que condicionaram o desenvolvimento econômico do país. Um dos elementos centrais para essa demora foi a forte dependência da economia colonial em relação à exploração de recursos naturais voltados à exportação. Desde a colonização portuguesa, a estrutura produtiva brasileira baseava-se na produção de bens primários, como o açúcar, o ouro e, posteriormente, o café. Essa organização econômica, voltada para o mercado externo, não estimulava a formação de um mercado interno diversificado e tampouco favorecia a constituição de uma indústria nacional.
Vale destacar também que a mão de obra, majoritariamente escravizada, representava um obstáculo à expansão de um mercado consumidor interno, já que os escravizados não recebiam salários e, portanto, não podiam adquirir bens produzidos pela indústria. A ausência de um mercado interno dinâmico, com capacidade de absorver os produtos industrializados, dificultou o surgimento de uma classe empresarial interessada em investir na indústria.
Outro fator relevante foi o papel do Estado brasileiro e de suas elites agrárias, sobretudo durante o Império. A política econômica adotada no século XIX privilegiava a exportação de produtos agrícolas, especialmente o café, que se tornou o principal item da pauta exportadora. As elites cafeicultoras resistiram a mudanças estruturais que pudessem ameaçar sua posição econômica e social, como a adoção de políticas industriais ou de infraestrutura voltadas à diversificação da economia.
Não podemos deixar de ressaltar também que havia a dependência tecnológica e financeira do Brasil em relação às potências industriais europeias, que forneciam produtos manufaturados e controlavam o comércio internacional. A ausência de investimentos significativos em educação técnica, inovação e infraestrutura também contribuiu para postergar o desenvolvimento industrial brasileiro.
Fases da industrialização do Brasil
O processo de industrialização no Brasil pode ser dividido em diferentes fases, cada uma marcada por transformações políticas, econômicas e sociais que permitiram avanços (ou retrocessos) no setor industrial. Essas fases não são estanques, mas ajudam a compreender as características predominantes em determinados períodos históricos.
1. Origem e Industrialização incipiente (final do século XIX até 1930)
O surgimento das primeiras fábricas no Brasil ocorreu no final do século XIX, sobretudo nas regiões Sudeste e Sul, com destaque para São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esse período é marcado pela chamada industrialização incipiente, caracterizada por iniciativas privadas, muitas vezes lideradas por imigrantes ou descendentes de imigrantes, como no caso das indústrias têxteis paulistas.
As atividades industriais concentravam-se em setores de transformação leve, como tecidos, alimentos e calçados, voltados para o consumo interno. A mão de obra assalariada começou a se expandir, impulsionada pela chegada de imigrantes europeus que substituíram gradualmente os escravizados, após a abolição da escravidão em 1888.
Apesar dos avanços, essa fase ainda dependia fortemente de importações de máquinas, matérias-primas e capitais estrangeiros. O Estado brasileiro pouco atuava na promoção da indústria, mantendo a orientação liberal na economia.
2. Industrialização por substituição de importações (1930-1956)
A crise de 1929 e a consequente quebra da Bolsa de Nova York tiveram impactos profundos sobre a economia mundial. No Brasil, a queda na demanda externa por café provocou uma crise nas exportações e levou o governo a adotar novas estratégias econômicas. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, iniciou-se uma nova fase da industrialização brasileira, baseada na substituição de importações.
Esse modelo consistia em produzir internamente os bens que antes eram comprados do exterior, reduzindo a dependência externa e estimulando o desenvolvimento do setor industrial. O Estado passou a ter um papel mais ativo, criando órgãos de planejamento e financiamento, como o Departamento Nacional de Produção Mineral e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico.
Durante o Estado Novo (1937-1945), o governo promoveu a criação de indústrias de base, como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), inaugurada em 1946, voltada à produção de aço. Esse período também foi marcado pela centralização política, pelo controle sobre os sindicatos e pela repressão a movimentos trabalhistas, em nome da modernização econômica.
3. Expansão industrial e modernização (1956-1980)
A partir do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), o Brasil viveu um período de acelerada industrialização, com destaque para o Plano de Metas, que previa investimentos em energia, transportes, alimentos, indústria de base, educação e, principalmente, na indústria automobilística. O lema do governo, "cinquenta anos em cinco", simbolizava a busca por um desenvolvimento rápido e integrado.
Durante esse período, houve um crescimento expressivo do parque industrial brasileiro, com a instalação de multinacionais e a ampliação do consumo de bens duráveis. O Estado assumiu o papel de planejador e indutor do crescimento econômico, investindo em infraestrutura e oferecendo incentivos fiscais e creditícios à indústria.
Na década de 1970, durante o regime militar, o processo de industrialização foi intensificado com o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), que estimulou grandes obras públicas, o setor de bens de capital e as indústrias de alta tecnologia, como a petroquímica e a aeronáutica. Contudo, essa fase também gerou aumento da dívida externa, concentração de renda e graves problemas sociais nas áreas urbanas.
4. Crise e reestruturação industrial (1980 até o início dos anos 2000)
A partir dos anos 1980, o Brasil enfrentou uma profunda crise econômica, com elevada inflação, estagnação do crescimento e aumento do endividamento externo. Esse período, conhecido como "década perdida", comprometeu os avanços industriais obtidos nas décadas anteriores. A crise do modelo de substituição de importações e a abertura gradual da economia ao mercado internacional exigiram uma reestruturação do parque industrial brasileiro.
Durante os anos 1990, com a adoção de políticas neoliberais, houve uma diminuição da intervenção estatal na economia, privatizações de empresas públicas e aumento da concorrência externa. Muitas indústrias brasileiras não conseguiram competir com produtos importados, o que provocou desindustrialização em alguns setores.
Ainda assim, esse período também foi marcado pela modernização de segmentos industriais, com incorporação de novas tecnologias, mudanças na organização do trabalho e surgimento de polos industriais especializados em determinadas regiões do país.
5. Indústria no século XXI: desafios e perspectivas
No século XXI, o Brasil enfrenta o desafio de manter sua competitividade industrial em um cenário global cada vez mais dinâmico e tecnológico. Apesar de possuir setores industriais fortes, como o agronegócio, a mineração, a aviação e a indústria alimentícia, o país lida com problemas estruturais como alta carga tributária, deficiências logísticas, baixa produtividade e investimentos limitados em pesquisa e desenvolvimento.
A chamada "desindustrialização precoce", verificada desde os anos 2000, aponta para uma redução da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB), o que preocupa especialistas e autoridades públicas. Em resposta, surgem iniciativas voltadas à reindustrialização com base na inovação, sustentabilidade e integração às cadeias globais de valor.
Você sabia?
O Barão de Mauá, nascido Irineu Evangelista de Sousa, foi uma das figuras mais relevantes para a industrialização do Brasil no século XIX. Empresário visionário, destacou-se por investir em setores estratégicos como transportes, navegação, bancos e, sobretudo, na implantação de indústrias, em um período ainda dominado por uma economia agrária e escravista. Fundou estaleiros, fábricas de tecidos, fundições e companhias de navegação, contribuindo significativamente para a modernização da infraestrutura econômica do país. Sua atuação pioneira desafiou os interesses das elites agrárias e a lógica do Império, tornando-se símbolo de um projeto de desenvolvimento voltado para a autonomia produtiva e a diversificação econômica.
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Barão de Mauá: o grande incentivador da industrialização brasileira. |
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Por Jefferson Evandro Machado Ramos (graduado em História pela USP)
Publicado em 23/03/2025
SUZIGAN, Wilson. Indústria Brasil: Origem e Desenvolvimento. São Paulo: Hucitec, 2021.